quinta-feira, 23 de junho de 2011

O voo

O pássaro antes do voo, caiu. Entregou-se ao chão a ponto de sumir, virar pó. Antes de voar alcançou as profundezadas da terra, no mais antigo clichê. Os ventos eram inúteis, o bater de asas era inútil, os conselhos matriarcais eram inúteis. Tudo era composto de fé e chão. O barulho do encontro entre seu corpo e o limite da queda fez acordar todos os olhos atentos de quem já esperava pelo voo. A menina de pijama com estampas de desenho em rabisco saltou da cama como atleta, pôs os pés no chão e, mesmo descalça, correu em busca da alucinação, mas tudo o que viu por cima do parapeito foi o pássaro em gemido estridor, não pela dor em si, mas pelo fracasso. A menina virou-se, correu, desceu os 31 degraus da sua casa, abriu a porta, o vento frio da noite soprou em seus cabelos, os embaraçou e fugiu. A menina caminhou lentamente em direção ao pássaro, talvez por medo de assustá-lo, talvez por já está assutada pela escuridão. Caminhou, olhou para o alto, em procura de inimigos imaginários, muito presentes na infância, olhou para o chão, apertando os olhos, na tentativa incorrigível de abrir as pupilas. Olhou por entre a grama e pedras e torceu para que o pássaro não estivesse qualquer parte do seu corpo nessas últimas. Percebeu, então, que sua torcida teve efeito. O pássaro não estava ferido. Seu grito era de perda e não de dor. Ou era de dor de ter perdido. Reuniu todo o fôlego que pudera no auge dos seus 8 anos e disse: Ícaro, levanta e voa.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Perdas e pontos

Perdi dentre meus dedos minha canção.
Foi confiscada por antigos percursos,
Cursos já em desuso
que eu nunca toquei.
Grande furto.
Perdi pelos caminhos algumas estórias,
embora completas, intermináveis.
Perdi por entre os versos,
o ponto final

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Óbvio

Escrever sempre foi mais difícil do que entender. Mas, hoje, os dedos parecem engessados, ocupados em escrever apenas o óbvio, apenas aquilo que já foi lido. Marchando nos mesmos trilhos e sobre as mesmas palavras. O texto fica doído, ansioso pelo fim. É preciso chegar logo ao fim para acabar com essa angústia, esse desespero. Se fosse possível engolir cada palavra ao invés de vomitá-las numa vigorosa ânsia, seria mais fácil. Não sei, talvez seja assim porque sobre desejo mas falte talento em meus artelhos. O fim parece um fôlego para o último suspiro. Escrever me dói, mas não escrever me mata. É o corte necessário para a sangria da mente. É estabelecer uma conexão com o que é visceral. É deixar claro ao olhar o que acontece fora de seu controle. Porque escrever é enxergar o óbvio.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Quartas-feiras

Você veio e me deu a mão. Em firmeza bruta e doce, em suspresa. Veio e me encontrou no meio do caminho, com os olhos perdidos e algum soluço preso na garganta. Retirou as vendas do meu rosto e eu as guardei no bolso da calça ainda suja de outras estradas. Vi seu rosto brando e seguro, seu sorriso consciente e suas fibras aparentes. Você me puxou pelas mãos e me fez sair do sol que derretia minhas escolhas. Agora eu pude deitar em relva recentemente umidificada. Os méus pés em posição surpreendentemente nova e você ao alto, me fitando como quem espera o que já sabe o que está por vir. Sua certeza me apaixona. Pus as mãos no solo ainda fresco, usei os músculos que já nem lembrava que tinham forma e força e, levantei. Grudei meu olhar no seu, e mesmo sem nada dizer, você respondeu sim à minha pergunta. Sim. A vida nasceu de um sim, clara lis. Tua mão macia, aconchegante. Teu olhar delicado. Tuas escolhas firmes. Meu desespero por ter que alcançar-te em vitória constante. Consegui. Superei o drama clichê da folha em branco, do sumiço das palavras. Superei o desespero de estar em silêncio. Mas... O silêncio é sábio, é admirável, é reforçador. Meu coração agora pulsa firme, em eterna sobriedade alcoolica. Encontro você regando meu jardim e o crescer também pulsátil das folhas e flores. Vejo a estupidez que foi aquele quase cair. E, lembro de estar em queda livre quando você me acomodou em seu perdão. Agora eu sei do cheiro das quartas-feiras. Agora eu sei que cheiro têm.