quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Café

Sentou, em banco duro de bar, deitou o corpo envergado sobre o balcão e pediu um café. Poderia ter pedido uma cerveja gelada ou uma dose de cachaça, mas naquele momento o café ajudaria mais. Só então percebeu que o balcão tinha um cheiro forte de desinfetante barato, mas ainda estava sujo, como resultado de quem passa o pano mais sujo do que a superfície, da mesma forma como limpa a consciência. Fica a sujeira, o cheiro da sujeira e o cheiro do desinfetante barato, tudo misturado num fator de embrulhar estômagos. Apressou o pensamento e levantou subitamente o corpo. Daí, pôde ver que o café, o menor, já estava sobre o balcão. Numa xícara transparente, com uma colherzinha de aço torta e com o açúcar ainda grudado nela. Do lado havia um recipiente com acúcar refinado. Pegou a colher, meteu no recipiente e colocou uma, duas, três, cinco colheres de açúcar. Aquele era um dia que precisava ser adoçado. Mexeu o café, preto e quase quente, pegou a xícara e bebeu. Estava errado, o café estava quase frio. Retornou a xícara ao seu lugar com quase todo o açúcar ainda no fundo dela. Percebeu que o adoçar também tem limite. - Moça, quanto é o café? - 1,50 - Tudo isso? - ... - É o jeito. Enfiou a mão no bolso. Catou algumas moedas. Colocou-as sobre a mesa e saiu. No fim, percebeu que 1,50 era o pagamento por ter saído dali. Foi barato. Na rua, o sol ainda ardia a pele dos transeuntes. Os carros ainda passavam e o passo das pessoas ainda era apressado. Ninguém parecia se importar. Minto. Ninguém se importava. E aquele era só o meio do dia. Olhou pro chão e viu as botas ainda sujas de barro. A calça jeans surrada e a camisa branca social, não estava mais tão socialmente apresentável. De valor, pendurada a tira-colo, sua bolsa com a Quarentinha. Não podia aparecer no casamento daquele jeito. Mesmo que sua presença fosse indispensável. O barro, o cheiro do desinfetante e a camisa branca de tom quase-branco não lhe davam ar de confiança. E um casamento exigia confiança. Não, não é disso que estou falando. Não me ache tão piegas. Claro que a relação precisa de confiança, mas seria muito clichê falar assim. Estou falando sobre ir ao casamento. Estar presente. Exercer funções. Tudo isso também exige confiança. E olhando assim, você não me parece muito confiável. Fechou os olhos, respirou fundo e decidiu. Ia ao casamento mesmo assim. Seguiu em direção ao norte, em passo largo e rima forte. Viu ao longe o bonde passando, seguindo o trilho em velocidade inalcançável. Não alcançou. O tempo corria na mesma velocidade, mas não podia perder pro tempo. Sempre perdia pro tempo. Correu o mais rápido que pôde e finalmente...se perdeu. Se perdeu como tinha que ser, sem ênclise ou mesóclise. Era sempre assim. Perder-se era normal, rotina, hábito, e era também caminho. Não Clarice, hoje não. Parou. Sentou em banco de praça, também duro. Tentou se localizar. Viu um menino andando de bicicleta de cor vermelha. Um moça grávida de vestido branco e renda verde-água, meio crochê. Um senhor de meia idade tomando sorvete, em companhia de outro mais velho de boina. Mas aquelas pessoas eram conhecidas. Tinha a sensação de já tê-las encontrado. Claro! Porque estava dando voltas na mesma praça. Era a confusão em sua cabeça. Aquela manhã tinha sido bem confusa e ainda precisava chegar a tempo no casamento, ou então, não haveria casamento. Procurou o nome da rua, subiu no brinquedo de escorregar e lá do alto conseguiu ver a torre da igreja. Saiu em disparada como se fosse seu último suspiro de vida. Cada passo um latejar em sua enxaqueca franca. Cada passo uma dor maior de não querer ir, de ter que ir. Seus pés iam latejando em desespero e seu olhar fixo, no nada. Era impossível não chorar, porque havia algo nele que transbordava e seu limite era pequeno. Não havia como não chorar por ter visto sua vida escorregar em dúvida. E mesmo que sua decisão já o tenha prendido no mesmo ir, seu sentimento fervilhava, como deveria estar o café. No ritmo despedaçado, viu a igreja ganhando amplitude e seus pensamentos diminuindo, até que quando não podia mais pensar em nada, estava ali, parado, em frente à Igreja. Sim, com letra maiúscula, porque era preciso. Na porta, alguns cavalheiros trajados em elegantes vestimentas e damas rotineiramente divinas. Percebeu que ninguém tinha notado sua presença. Alcançou a lateral da igreja, entrou pela porta da sacristia e chegou. Estando lá pôde ouvir o sussurrar barulhento dos convidados. Percebeu uma voz nítida. Era ela. O noivo, então, certamente já deveria ter chegado. Todos prontos, vestiu-se em batina e foi. Mais um casamento. Uma dor única.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Pausa

Do som só se escuta o rápido correr do vento. O tempo descansa em breve balançar de rede. O verde se lança entre o estado de cores. Os amores, alguns bem perto, outros mais distantes. Tudo se paralisa em um eterno sentir de vida.