segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Vazio

Naquele dia todos os olhares estavam voltados e concentrados no corpo caído que despejava medo nas ruas da cidade completamente asfaltada. Os olhos quietos de mentes absortas e soltas em verbos cada vez mais ineficazes. O corpo tão quieto quanto os olhos que o acolhiam. Estavam tão suspensos que me fazia calor, embora estivesse chovendo desde que nasci. O calor aquecia minhas mãos e fez derreter meus sonhos que iam escorrendo, um a um, pelo rosto inundado. O corpo despejado no chão fazia parte do asfalto, assim como os olhos em choro faziam parte daquela chuva. Fiquei em silêncio por tanto tempo que acho que desaprendi a falar e, mesmo assim, havia uma multidão em mim gritando por socorro. Minha cidade estava suja, de sangue, de lixo, de covardia. Mas todas as gargantas estava presas, mudas, absolutamente congeladas. Até hoje não sei por quantas vezes chorei, por quantas vezes sofri, por quantas vezes morri. Era preciso nascer de novo, reagir. Não pelo velho clichê da Fênix, mas porque havia um plano, um objetivo, eu tinha que cumprir meu destino escrito por mim. Com as asas cortadas, eu aprendo a andar. Os músculos das coxas em dor tão intensa que o maior dos exageros seria eufemismo. E o corpo continuava caído. A multidão parada num silêncio pérfuro-cortante. Como era difícil não me mexer. Como doía. Mas, mesmo que eu tentasse...
As pessoas começaram a se dispersar. O caminho foi ficando vazio, as ruas vazias, a vida vazia, e só restou eu e o corpo, os dois sendo dissolvidos pela chuva.