quinta-feira, 25 de março de 2010

Naftalina

Simples assim. Eu vejo sua alma e tudo me parece muito familiar. Penso em recorrer ao passado pra fazer você enxergar o novo, ou o vulgar. Mas, você insiste na simplicidade e agora me convenceu. As pegadas na areia da praia sempre me parecem mais bonitas. Eu vejo a lágrima que escorre do destino, mas você não a vê. Teus passos são em asfalto e você não sente o calor que queima teus pés. Glória aos deseperados que não sabem do equilíbrio!
Os nossos novos dias são sobre o ontem, embora o ontem já tenha ido. Agora eu procuro encher minhas malas de fé, pessoas e travesseiros, todos com o meu cheiro que dizem ser. As pessoas, conheço algumas e são todas improváveis. Será que me tornei tão cruel assim? Melhor ter os dedos calejados de tanto escrever do que a alma com tamanhos calos. Escrevo para afogar cada pedaço em cachaça pura e destilada. Escrevo, pois já nao sei fazer mais nada.
Agora até gosto da solidão. Ela me transporta para outras vidas, embora eu sei que dificilmente serei só. Este é um caminho que não me cabe. Esta é uma esperança que não é minha.
Hoje algumas notas latejam em meus dedos, e eu sei que já escrevi sobre isso. Tenho o ego agitado em meus pulmões, e eu suspiro, pois só assim sei ser vivo. Todas as verdades foram trituradas e eu reconstruo novos pilares.
Não posso ter medo de ir. Ir sempre é mais interessante. Serei jovem, serei zero, serei tudo, serei o que for, mas vou. Mas, não devo cair como Ícaro, devo ter asas maiores e melhores, embora eu ainda nem as tenha. Sentirei saudades minhas e ainda estarei em outros portos, outros morros. Simples assim: sou eu quem consegue ler tua alma, mas você finge estar em braile e desaparece, prefere provar de outras felicidades e acrescentar novas bebidas coloridas ao coringa.

terça-feira, 23 de março de 2010

Tremor de palavras

Ela veio descendo as escadas, os olhos voltados para baixo, um ar demasiadamente triste e uma ansiedade que parecia que lhe sufocar. Pé ante pé, descia os degraus, mas era como se não estivesse ali. Sua voz era fina e rouca, mas frequentemente feliz. Não sabia andar por aquelas ruas, não sabia sobre os muros daquela cidade, nem sobre as outras cidades. Só pensava em ir embora. Nada lhe parecia tão sutil quanto a verdade, e era essa a verdade. Ela estava saindo de suas preces, de seus anseios e medos, a verdade lhe consumia como um cigarro em brasa, era dura e vital. A verdade sobre si e sua vontade de estar em um lugar absolutamente novo, desconhecido. Tudo ali era desconhecido. As pessoas tinham outros cheiros, outros passos, outras línguas. Andar sobre a calçada, com os pés descalços lhe causava asco e compaixão. Ela podia, assim, sentir a cidade. Sentir suas dores e sua história. Entender a crosta de poeira que lhe sufocava. Ela era a própria cidade e só agora era capaz de perceber. Sabia que suas palavras eram melhores, seus verbos eram mais intensos, sua vida era mais interessante, mas sempre havia o medo do infinito. Agora, sentia o chão tremer, ou era ela mesma quem tremia. E, embora suas verdades continuassem inabaláveis, havia receio de que tudo fosse destruído pelos tremores. Mas já havia decidido. Iria se manter forte e em equilíbrio e ela seria seu infinito. Para tanto era preciso agigantar-se e era isso o que faria. Seu próximo passo era conquistar o cheiro daquelas pessoas e daí seria igual a elas. Mas não era isso o que ela queria. Queria ser mais. Queria ser melhor, e isso a tornava diferente de todos, de tudo. Então explodiu uma pergunta em sua cabeça: em um lugar desconhecido, onde se tem medo de tudo e não se assemelha a ninguém, era melhor ser igual ou especial? Não saberia responder com precisão, mas sua decisão estava tomada e seguiria assim.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Para não ler

Sim, porque cansei de começar com o não. Sim para meus defeitos e afetos. Sim porque é mais difícil dizê-lo. Sim porque meus dedos me levam, e eu sempre digo sim para eles. Sim à mudança de cor que acontece nos meus olhos sempre que eles te veem. Sim para meus verbos estreitos e pequenos talentos. Talvez esse seja meu maior pecado. Sim ao pecado, ele é tão parte de mim quanto qualquer moral. Sim, eu devo ser transeunte na sua vida, mas te enxergo de todos os ângulos e você nem vê. Sim, sou eu. Sim, sei que as palavras são apenas mais uma forma de esconder, pois, por mais que a verdade esteja escorrendo dentre meus artelhos, ainda assim será impossível percebê-la. Sim, eu posso dizer o que desejo e este será apenas o começo de passos incríveis, pois a verdade é incrível. Tão absolutamente incrível que me parece fantástica. Eu sou Alice e meu mundo ainda é maravilha. Sim, pois diante de um sorriso deste gato eu me sinto em delírio. Sim, minhas frases agora se afirmam. Eu estou em processo de aclive. Todos os sujeitos e objetos foram feitos para este momento. O dia em que as moléculas de Clarice se encontraram e puderam gerar a vida. Sim, sou moinho, sou caminho, sou estrada e parada. Sim, eterna contradição. E o que é a vida senão um milhão delas? Sim, as palavras me vencem, sempre. Seja em terra vermelha ou em caminhos urbanos. Seja em multidão ou de cara para o teto branco. Sim, sou Pisa, e já não me importo de cair. Meus dias são outros, minhas idéias são outras, os sentimentos amadureceram. Agora, sou eu. Sim, ainda desabafo, mas agora em constelações de afirmação. Sim, sou para sempre e inesquecível, como aquela noite de lua cheia que quase me engoliu. Sim, a lua amarela em tons alaranjados e eu esperando desaparecer. Sim, os dias se tornam iguais mesmo quando estão em molduras absurdamente distintas. Sim não existirá negação neste texto, tudo será afirmativo e eu terei de aguentar. Meus olhos cansam e meu olhar, só porque sei que você não vai ler, este cai sobre meu cansaço e desaba. Sim, os acasos são nossos pilares e também os de Kundera. Sim, o novo dia chegou e eu devo parar. Sim, parei.