terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Céu


De gole em gole engulo a vida.
Você se atreve em ser azul.
Eu me atrevo em ser lida.
Você consola em dizeres molhados.
Eu me perco em choro seco.
A chuva foi embora, e você ficou.
Encharcou meu corpo nu.
Não adianta ser santa ou ser chuva,
enquanto a reza for muda.
A rua ficou imunda com tanta água,
e tanta lama, e tanto nada.
Nada.
Há uma tempestade lá fora de gente indo embora,
mas ela ficou e me chamou aqui.
Cá estou eu.
Com olhos molhados, e o céu pingando.
O céu está cansado de tanto ser você.

domingo, 15 de novembro de 2009

Bicicletas


O poeta é da palavra, e não o inverso.
Mas, para quem não é poeta e já virou prosa, as frases são mais distintas.
Meus dedos enferrujados, acanhados, são cada vez menos literais.
Ah! Como eu queria que escrever fosse como andar de bicicleta. Eu montaria nos verbos conhecidos, nos versos acolchoados, só para passear entre os períodos curtos, meus preferidos. Usaria os apostos, como portos. Andaria de navio para desviar das nuvens de um céu nublado.
Meu tempo me pertence, embora nem sempre eu lembre disso. Mas enquanto meu texto me escreve, eu sinto o sopro da Fênix em minha nuca. Um renascer constante, entre o estar e o que há por vir.
Agora, sou eu quem segura os arreios, e faço desse texto minha morada. Uso as letras como os pedaços de pão de João e Maria. Vou tentar não me perder. E, de passo em passo, letra em letra, minha rigidez articular vai se desfazendo, meus artelhos vão me consumindo e pedalando em velocidade cada vez maior.
Interessante como a intensidade da vida as vezes pode ser inversamente proporcional às dos textos. Embora seja sempre tão importante conciliar o intangível com o visceral.
Agora eu sinto o vento afagando meus cabelos. De braços abertos para o próximo perído, encontro o equilíbrio. Fecho os olhos e meu texto é quem me guia. Voltar é sempre vivo.
Reencontrei o caminho de casa.

sábado, 9 de maio de 2009

Gotas



São as formas de sentir.
Cada átomo em seu devido lugar, num formato absolutamente novo. Cada partícula em mim teria uma opinião agora. Havia uma imensa discussão a respeito das possibilidades do sentir. E o som das gotas despencando sobre o solo...Já estava amanhecendo e o mundo era...eu.
A lua em seu formato singular, e seu desespero de nunca ter sido sol.
Meus substantivos que insistem em ser verbo... São tantos numerais. Sinto os pés congelarem e meu coração explode de fervura. Eu sabia. Era verdade.
A verdade é que eu sempre fui assim, e não poderia ser diferente. Não por não saber, mas por não caber em mim. Só há possibilidade de ser um de cada vez...
Mas o um é outro e volta a ser um. Não, eu também não entendo.
Agora, são as gotas da música que despencam em minhas orelhas, todas elas. E as letras desabam sobre meu pensamento.
Aqui, não há espaço para tudo, mas é possível ser muitos, porque somos assim. Os pensamentos se entrelaçam e só o que resta é o transbordo. É uma maneira de dizer. É só uma delas.
As gotas sumiram, a música acabou, e minhas letras tomaram conta de mim. Hoje sou tão cada uma delas que virei gramática. Embora ainda não saiba qual a palavra que falta no meu vocabulário. Pois não saberia dizê-la. Mesmo assim, ela fica inteiramente pulsando em meus giros e sulcos. Não há mais nada o que fazer. Agora, são só frases que se perderam e ainda não encontraram o caminho.
Boa sorte, lua. Mas, eu ainda prefiro que jamais seja.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Sombra e água



Dezessete vezes eu rezei hoje. Orações de outros tempos, outros povos. Era como presenciar a sombra de uma árvore que cresce e te cerca. Mas, eram apenas os olhos verdes de quem sente frio... Não sei ao certo sobre os passos que foram seguidos, mas talvez seja melhor assim.
São muitas as verdades, e eu não conheço quase nenhuma. Ainda que perdurem as minhas dúvidas, e estas sejam formas de alcançar o intangível. Nada será tão real, ou mais real comparado àquele céu enorme sobre a minha cabeça.
Hoje completam três dias de pura insônia. Mas, se não durmo minhas palavras reagem ao corpo cansado e dolorido de quem não se mexe por décadas.
Agora eu vejo, sim. Agora posso ver todas as luzes da cidade. Cada ponto de luz. Ei! Você também está brilhando...
Eu sinto a minha pele se aquecendo, mesmo depois de todo aquele gelo. Agora eu posso derreter em paz.
Nunca serei assim, tão água.
Vinte e três vezes eu disse sim. Mas, o mais possível às vezes é o que nos parece mais difícil. Eu entendo. Você ainda não sabe da tua luz. Não conhece a si mesmo. Portanto, não há como obedecer o teu inconsciente.
E, mesmo nos meus sonhos mais profundos eu não lembro. Não sei dos meus pecados. Acho que estou caducando ainda na infância. Ou, na verdade, eu estava com a razão o tempo todo.
Embora ninguém nunca saberá a resposta da motivação, eu lhes digo que nunca houve nada tão puro quanto o nada.