domingo, 23 de novembro de 2008

O olhar


Aquela era a noite que havia sonhado três meses atrás. A lua cheia me seguindo, como quem reza para saber dos meus pensamentos. Tola. Nem eu sabia. Eram frases soltas e desconexas de lembranças que não faziam o menor sentido. Era um perigo. Os olhos perdidos entre as pedras portuguesas que cercavam meu chão. Minhas mãos escondidas nos bolsos da calça...A mesma calça daquele dia... Uma gota de mim que cai e se arrebenta no solo ainda quente, de uma tarde que prometia chover. Não choveu. Meus passos foram me entregando ao desconhecido. Era o medo de querer. Uma nuvem imensa cobriu minha lua, e agora, cá estava eu, só novamente. Talvez, ela tenha desistido de mim, dos meus versos de vez, das verdades que mal cabem nos meus textos. Talvez eu deva desistir também.

Agora esse cheiro de mar impregna em minha roupa. Como se ao querer saber de mim, tentasse estar o mais perto possível, o mais dentro possível, o mais eu possível...A brisa noturna me empurra para longe, e eu fico cada vez mais insistente. O sangue que eu tentei esconder, agora escorre pelas barras da calça. E eu já nem lembrava que havia sangrado tanto. Havia sutura, havia curativo, mas hoje... Hoje os pontos abriram, e eu juro que pensei em usar o bisturi... O sangue escorreu tanto que pintou o chão da cidade inteira. Passou pelo Farol, pelo Porto, subiu a ladeira, encontrou o índio na praça...Desceu a Contorno e entrou no mar...no Forte. Minhas pernas estavam fracas. Caí. Mas, o sangue foi readquirindo seu lugar. Cada gota, cada porção vermelha...

A lua voltou. Ela que havia ido embora, voltou porque havia sonhado comigo. Ainda não sei como ela consegue adivinhar meus planos... Já não havia sangue algum. Eu levantei, olhei para o céu, senti o cheiro intenso de mar que estava em meus pulmões. Tirei as mãos do bolso. Também elas estavam limpas. Meu anel de coco íntegro, e meus versos maduros. Já não tinha medo das minhas mãos... Nem dos meus erros, mesmo que este fosse o motivo...Pensei em afogar minhas reticências, mas depois percebi que elas eram tudo o que havia sobrado de mim. E, agora, já não havia mais nada a perder. Mas, perdi. Perdi teu sonho, tua imaginação, teus rascunhos, teus textos, e perderei tuas vitórias. Não há nada que eu possa fazer...Eu sei, meu coração não há de pertencer a mim... Sou reticências demais para ele. Ponho as mãos nos lencóis e estrago tudo. Te acordo, atrapalho teu sonho e tua noite. Você nem está aqui. Nem sabe que saí de casa e fui viver a lua e o mar.

sábado, 8 de novembro de 2008

Baú

Tantos anjos que sabem de mim,
que escoltam minhas madrugadas,
de tantas noites perdidas,
eu já sou quase nada...
Eram frases incompletas,
em que quis que você lesse
o exato que não estava escrito,
porque não me havia permitido.
Tantos caminhos tortos,
e pés covardes,
são meus caracteres perdidos...
Tanto que há em mim,
e ficará guardado
naquele baú do Gil,
que se faça de aço.
Eu fecho os olhos e esqueço,
e é neste momento que imagino um recomeço.
Mas, hoje não sou eu que escrevo,
e amanhã também não será.
Hoje, eu sou só paixão
mas...você não saberá.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Glicemia

Peguei um balde de tinta
e meu pincel...
Hoje eu pinto o céu,
e nada vai me deter...
Hoje eu escolho o sorriso mais bonito
e entro no circo...
Hoje eu calço qualquer solado,
e se você quiser, siga-me!
Hoje sou eu quem acende as estrelas,
ainda que seja dia...
Hoje me chamo Querubim,
ainda não sei falar de mim,
e não estou a procura do fim,
nem de versos ruins...
Hoje sou só disposição
e se você atravessar a rua
eu vou adorar.
Mas, eu sei que pra você já era...
Também não fiz a coisa certa,
e não há alguém disposto a me ensinar.
Hoje eu sou solidão,
e deve haver algo doce nisso tudo...