segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Quando se morre...

Finalmente morri. Foi ontem, mas eu precisava de um tempo até me acostumar com a idéia de que pessoas mortas podem escrever. Finalmente morri. Foi uma experiência fascinante, porque foi possível ver meu corpo parado, imóvel, e ainda assim era eu. Morri porque não soube agir diferente, não soube ser de outra forma, não soube viver. Morri sim, porque estava em apnéia quando meu coração rompeu. Finalmente morri e, hoje, a vida dos outros continua, sem intervalos, sem pausas, sem luto. Morri e os dias seguiram. Finalmente morri e morrer, perdão Clarice, não é o paraíso. Finalmente morri e não houve uma lágrima, um olhar mareado, uma saudade amarela. Morri e ninguém rezou para que eu voltasse à vida. Morri e talvez fosse exatamente esse o desejo da vida. Morri porque esse era o meu destino, embora eu não acredite muito em destino, mas agora ele me convenceu. Finalmente eu morri. Não houve velório, enterro, nada. Finalmente morri e eu não sei como agir neste novo estado. Não sei ser morta. Não sei. Finalmente morri, mas senti que foi na hora errada. Ainda havia muitas coisas a fazer, contas a pagar, brigas a resolver, o canudo, o futuro. Finalmente morri, mas não foi como eu pensei e ainda sobrou muita vida em mim.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O dia em que o amor morreu

Peguei os lençóis molhados de suor e coloquei ao sol. Naquele mesmo dia havia a dor de um amor partido, então era preciso secar as coisas, inclusive os lençóis. Na manhã, ainda com o sol a pino, algumas lágrimas molharam lençóis meus e embora já se passem algumas semanas eles ainda não secaram. Precisei ter força para levantar os lençóis até a corda e pendurá-los. Naquele mesmo dia o amor foi rompido e se transformou em nada. Foi preciso ter pressa, porque era preciso fugir dali e viver. Foi preciso tirar do corpo as outras marcas e desenhar novas. Era preciso ter pressa, porque tudo lhe dava náuseas, lhe enchia de desprazer e havia outra vida, havia outros lençóis, havia outro você. Era preciso ter pressa, então na tarde daquele mesmo dia, enquanto um chorava e morria, o outro ria. E, assim, desse jeito, um amor se desfez.

sábado, 5 de novembro de 2011

Falar de mim

Falei demais de você. Agora tá na hora de falar de mim. Mesmo porque devo reconhecer meus limites e descobrir quais eu quero ultrapassar. Devo reconhecer seus limites e desejar que eles continuem seus. Mas, chega de falar de você. Agora é preciso falar de mim. É preciso relembrar meu paladar, meus cheiros, todos os meus sentidos, para que, na verdade, tudo comece a fazer sentido. Chega de falar de você. Mas, não é porque tudo ficou demais, não é por você, é por mim, porque eu percebi que posso ser e ver outro mundo. Hoje meu mundo ficou com tons mais leves. O dia pareceu me perdoar. Melhor, eu resolvi me perdoar. Os meus erros ficaram dóceis, singelos. Meu pensamento agora tem dona, assim como meu coração. Embora eu sei que não fiz nada que me fizesse chegar até aqui. Mas, os passos da vida são sempre nossos, já as estradas... Eu sei que agora é a minha parte, a parte que me cabe, que me é de direito. E eu faço questão dela. Inteira. Então, eu devo falar de mim. Primeiro porque sei fazer isso muito bem. Segundo porque é só de mim que posso falar. Só sei dos meus pensamentos, do quanto o toque me atinge e quanto tem de mim no que faço. É só de mim que sei, onde estou, o que sinto, o que quero. De você sei quase nada... Por isso, devo falar de mim. Destrinchar meus verbos, meus versos, meus textos. E, mesmo que seja em dor, que seja minha, como é o meu amor, pela vida, pela literatura, pelo brilho no meu olhar. Devo falar de mim porque é assim que me renovo, é assim que me construo. Foi assim todos esses anos e se tornou minha tradição, meu ritual. Escrever é minha fonte, meu fênix. Portanto, vou falar de mim.