sábado, 18 de dezembro de 2010

Suas palavras

Todas as palavras se reuniram em sua volta. Juntas, com o mesmo objetivo. Todas as palavras aquecendo aquela que sentia frio. Aqueceram seus pés, suas vestes, suas costas. Todas as palavras marcaram o caminho, sinalizaram por onde ir e ela foi. Todas as palavras eram suas, eram dela, eram minhas. E a cada sinal, a cada calor, as palavras iam crescendo, ganhando volume. Tudo feito como estava marcado, no destino, nos caminhos desenhados. Então, todos os caminhos se reuniram, os meus, os seus e o das palavras. Agora, as palavras eram novas, eram outras, eram belas. As palavras vieram e inundaram meus textos e meus pensamentos. E, tudo o que restou foi você, e era só o que eu queria.

domingo, 7 de novembro de 2010

Pensamento

Ele veio destruindo palavras, destruindo o silêncio, mas não havia nenhum tipo de barulho. Ele veio deformando imagens, sacudindo a maresia. Ela não esperava e ele veio. A partiu ao meio e continuou vindo. Era rápido, inconclusivo, friável e doído. Ele era enorme e vazio. Preenchia todo o universo, mas era amorfo. Ela teve medo ou receio, porque ele era enorme perto dela. Nada era tão maior, nada era tão tremor. Nada era tão dúvida. Ele veio e não havia maneira de impedir que chegasse, e tudo o que ela fez foi deixar ir embora. Ele passou.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Terceto

Eu que sou seu terceto, seu par em três, seu terceiro.
Te encontro na terceira dobra da vida,
no terceiro caminho, na terça parte da linha.

Sou o terceiro corte do teu destino, e te dou meu três.
Sou três mil pedaços quando parte, ou me parto quando estás em pedaços.
Não cheguei à terceira praia por pura satisfação, por deitar três vezes em ombros teus.

Não preciso estar à três mas me encontro em formas triplas de viver.
Desse jeito as três palavras são só clichê,
E você é só outra forma de dizer.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A menina e as flores

A menina entrou no mercado e comprar é o que menos significa agora. Passeando entre as fileiras enormes, desviando daquelas pessoas que pareciam famintas de tempo e formavam filas gigantescas, ela sentia cheiros, muitos cheiros, que se confundiam em seu olfato desorganizado. A menina tinha pouca idade, e não lembrava exatamente o que fora comprar no mercado, mas estar ali já parecia ter carregados significados, embora ela se sentisse carregada mesmo, como quem pega o peso do outro e põe sobre si e entende seu corpo agora mais pesado. Estar no mercado já bastava. Talvez tenha acreditado nisso tudo para não ter que aceitar suas falhas de memória. Falhas diárias, que a faziam esquecer as chaves de casa, datas comemorativas, e de todo o resto que parecia tão fundamental para alguns. Ela nunca esquecia de acordar. Bom, a menina continuou andando e procurando não sabia exatamente o quê, como fazia sempre. De repente aconteceu aquilo para que este conto nasceu. A menina que tinha olfato desorganizado era dona de uma audição impecável, e ainda que não quisesse ouvir, seria impossível, o homem ao auto-falante anunciava: Lírios e Begônias 14.99, apenas 14,99! Uma promoção imperdível, leve a sua para casa. Ela ouviu aquilo e ficou intrigada. Depois viu as pessoas correndo em direção à sessão de flores. Cada uma pegava um quilo, dois, colocavam debaixo do braço e voltavam às filas. Mas, o mais impressionante era ver àquelas pessoas arrancando as flores das mãos alheias por saber que aquilo já lhe pertencia. Era um gesto maior, mais interessante, os quilos de flores como carne saciava a fome daqueles que estavam ali como ela, sem saber exatamente qual objetivo. As filas iam ficando cada vez maiores, as pessoas iam se agrupando, cada uma com seu quilo de flor na mão. O mais curioso para ela era entender as razões que levavam àqueles indivíduos a tratar flores como carnes. A essa altura as flores já estavam molhadas de sangue. As gotas vermelhas pingando dos arranjos e se agrupando em poças e somente a menina via. As pessoas andando e pisando nas poças, as gotas espirrando para todos os lados, e as barras das calças sujas, mas ninguém via nada. As flores se perdendo em gotas, se perdendo em vida e nas filas. Não eram mais flores, eram carnes. E, todas as pessoas compravam e compravam e compravam e eu poderia ficar me repetindo até o ponto final. Mas ainda não é o final. A menina ficou muda. Assustada e muda. Mas, ela não devia ser muda. Ela nasceu em choro e em grito, e então deveria gritar, ela tinha esse direito, não tinha? Então gritou. Estava tudo errado, e era preciso dizer. Correu na seção de tintas, pegou um punhado delas e começou a pintar uma a uma, todas as flores. Limpou o chão, recolheu os lírios e as begônias, e pôs, todas, de volta nos seus lugares, que obviamente não era o mercado. Algumas pessoas a ajudavam, enquanto outras ficaram paradas, olhando, curiosas. Ao fim de sua incansável tarefa, a menina decidiu ir para casa. No caminho, enquanto caminhava tranquilamente, ouvia ao longe berros que diziam: Livros por 9,99, não percam, leve o seu agora!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Naftalina

Simples assim. Eu vejo sua alma e tudo me parece muito familiar. Penso em recorrer ao passado pra fazer você enxergar o novo, ou o vulgar. Mas, você insiste na simplicidade e agora me convenceu. As pegadas na areia da praia sempre me parecem mais bonitas. Eu vejo a lágrima que escorre do destino, mas você não a vê. Teus passos são em asfalto e você não sente o calor que queima teus pés. Glória aos deseperados que não sabem do equilíbrio!
Os nossos novos dias são sobre o ontem, embora o ontem já tenha ido. Agora eu procuro encher minhas malas de fé, pessoas e travesseiros, todos com o meu cheiro que dizem ser. As pessoas, conheço algumas e são todas improváveis. Será que me tornei tão cruel assim? Melhor ter os dedos calejados de tanto escrever do que a alma com tamanhos calos. Escrevo para afogar cada pedaço em cachaça pura e destilada. Escrevo, pois já nao sei fazer mais nada.
Agora até gosto da solidão. Ela me transporta para outras vidas, embora eu sei que dificilmente serei só. Este é um caminho que não me cabe. Esta é uma esperança que não é minha.
Hoje algumas notas latejam em meus dedos, e eu sei que já escrevi sobre isso. Tenho o ego agitado em meus pulmões, e eu suspiro, pois só assim sei ser vivo. Todas as verdades foram trituradas e eu reconstruo novos pilares.
Não posso ter medo de ir. Ir sempre é mais interessante. Serei jovem, serei zero, serei tudo, serei o que for, mas vou. Mas, não devo cair como Ícaro, devo ter asas maiores e melhores, embora eu ainda nem as tenha. Sentirei saudades minhas e ainda estarei em outros portos, outros morros. Simples assim: sou eu quem consegue ler tua alma, mas você finge estar em braile e desaparece, prefere provar de outras felicidades e acrescentar novas bebidas coloridas ao coringa.

terça-feira, 23 de março de 2010

Tremor de palavras

Ela veio descendo as escadas, os olhos voltados para baixo, um ar demasiadamente triste e uma ansiedade que parecia que lhe sufocar. Pé ante pé, descia os degraus, mas era como se não estivesse ali. Sua voz era fina e rouca, mas frequentemente feliz. Não sabia andar por aquelas ruas, não sabia sobre os muros daquela cidade, nem sobre as outras cidades. Só pensava em ir embora. Nada lhe parecia tão sutil quanto a verdade, e era essa a verdade. Ela estava saindo de suas preces, de seus anseios e medos, a verdade lhe consumia como um cigarro em brasa, era dura e vital. A verdade sobre si e sua vontade de estar em um lugar absolutamente novo, desconhecido. Tudo ali era desconhecido. As pessoas tinham outros cheiros, outros passos, outras línguas. Andar sobre a calçada, com os pés descalços lhe causava asco e compaixão. Ela podia, assim, sentir a cidade. Sentir suas dores e sua história. Entender a crosta de poeira que lhe sufocava. Ela era a própria cidade e só agora era capaz de perceber. Sabia que suas palavras eram melhores, seus verbos eram mais intensos, sua vida era mais interessante, mas sempre havia o medo do infinito. Agora, sentia o chão tremer, ou era ela mesma quem tremia. E, embora suas verdades continuassem inabaláveis, havia receio de que tudo fosse destruído pelos tremores. Mas já havia decidido. Iria se manter forte e em equilíbrio e ela seria seu infinito. Para tanto era preciso agigantar-se e era isso o que faria. Seu próximo passo era conquistar o cheiro daquelas pessoas e daí seria igual a elas. Mas não era isso o que ela queria. Queria ser mais. Queria ser melhor, e isso a tornava diferente de todos, de tudo. Então explodiu uma pergunta em sua cabeça: em um lugar desconhecido, onde se tem medo de tudo e não se assemelha a ninguém, era melhor ser igual ou especial? Não saberia responder com precisão, mas sua decisão estava tomada e seguiria assim.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Para não ler

Sim, porque cansei de começar com o não. Sim para meus defeitos e afetos. Sim porque é mais difícil dizê-lo. Sim porque meus dedos me levam, e eu sempre digo sim para eles. Sim à mudança de cor que acontece nos meus olhos sempre que eles te veem. Sim para meus verbos estreitos e pequenos talentos. Talvez esse seja meu maior pecado. Sim ao pecado, ele é tão parte de mim quanto qualquer moral. Sim, eu devo ser transeunte na sua vida, mas te enxergo de todos os ângulos e você nem vê. Sim, sou eu. Sim, sei que as palavras são apenas mais uma forma de esconder, pois, por mais que a verdade esteja escorrendo dentre meus artelhos, ainda assim será impossível percebê-la. Sim, eu posso dizer o que desejo e este será apenas o começo de passos incríveis, pois a verdade é incrível. Tão absolutamente incrível que me parece fantástica. Eu sou Alice e meu mundo ainda é maravilha. Sim, pois diante de um sorriso deste gato eu me sinto em delírio. Sim, minhas frases agora se afirmam. Eu estou em processo de aclive. Todos os sujeitos e objetos foram feitos para este momento. O dia em que as moléculas de Clarice se encontraram e puderam gerar a vida. Sim, sou moinho, sou caminho, sou estrada e parada. Sim, eterna contradição. E o que é a vida senão um milhão delas? Sim, as palavras me vencem, sempre. Seja em terra vermelha ou em caminhos urbanos. Seja em multidão ou de cara para o teto branco. Sim, sou Pisa, e já não me importo de cair. Meus dias são outros, minhas idéias são outras, os sentimentos amadureceram. Agora, sou eu. Sim, ainda desabafo, mas agora em constelações de afirmação. Sim, sou para sempre e inesquecível, como aquela noite de lua cheia que quase me engoliu. Sim, a lua amarela em tons alaranjados e eu esperando desaparecer. Sim, os dias se tornam iguais mesmo quando estão em molduras absurdamente distintas. Sim não existirá negação neste texto, tudo será afirmativo e eu terei de aguentar. Meus olhos cansam e meu olhar, só porque sei que você não vai ler, este cai sobre meu cansaço e desaba. Sim, os acasos são nossos pilares e também os de Kundera. Sim, o novo dia chegou e eu devo parar. Sim, parei.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A palavra que faltava

Era preciso escrever. Os passos tortos, as falas gagas, todas as peças desencontradas, e mesmo assim ela precisava escrever. Tinha as mãos trêmulas, a voz fina, o choro preso, e mesmo assim queria escrever. Escrever lhe dava força, lhe preenchia a alma, lhe curava as feridas, lhe trazia respostas. Escrever lhe tirava da terra e assim ela podia mergulhar na imensidão azul. Ela escrevia freneticamente, as mãos em sangue, em carne viva, e à medida que as palavras iam se agrupando seu corpo ia ganhando força, ganhando vida, ganhando. Ela pôs palavra por palavra encaixotadas em um só texto. Sua vida agora era melhor, havia mais motivos, mais lógica e mais futuro. Todas as palavras a curaram do passado, das angústias, das lágrimas. De tanto escrever sobre as dores, o paraíso apareceu. Havia anjos, havia sinos, havia conchas, mar e céu. As suas cores, formas e cheiros, era tudo tão belo, tão singelo, e tão forte. O paraíso parecia tão seguro de si, das suas certezas e das incertezas. Nada era tão perfeito, nada lhe dizia mais sobre si e sobre o destino. Não, nem era preciso acreditar no destino, era tudo apenas uma questão de viver. Não era preciso acreditar em nada, era só deitar naquela cama e esperar que os corpos suados se entendessem, e eles sempre se entendiam. Tudo que era sujo ficara para trás, fora expurgado dela, e agora só restava vontade, desejo de ser melhor, e viver melhor, e era possível, pois estava fazendo exatamente assim. Agora as mãos estavam curadas do sangue, e já não estavam em carne viva. Escrever era prazer, não desabafo. As palavras eram dominadas e não lágrimas. Todos os seus movimentos a levavam para uma nova forma de sentir, de amar, de querer. Todos os seus planos só confirmavam isso. Não havia mais reticências, agora era tudo continuação. Agora tudo era dito, em verdade, nos olhos cheios de cores. Tudo poderia ser falado, rido ou sofrido junto. De todas as palavras era essa que faltava.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Soneto Concreto


Palavra por palavra eu alcanço
minha exatidão num verso seco.
Nesta estrofe que parece muda
eu desfaço minhas bordas de abstrato.

Soneto por soneto eu vou fugindo
da minha loucura em gole puro.
Da minha cachaça sem limão ou sal.
Das minhas metáforas sem graça.

Estação por estação eu me perdoo
pela teimosia em misturar
versos doces com água do mar

esperando acreditar que desta vez
mais perto estarei
de um soneto irregular.

(ainda não aconteceu)