terça-feira, 23 de março de 2010

Tremor de palavras

Ela veio descendo as escadas, os olhos voltados para baixo, um ar demasiadamente triste e uma ansiedade que parecia que lhe sufocar. Pé ante pé, descia os degraus, mas era como se não estivesse ali. Sua voz era fina e rouca, mas frequentemente feliz. Não sabia andar por aquelas ruas, não sabia sobre os muros daquela cidade, nem sobre as outras cidades. Só pensava em ir embora. Nada lhe parecia tão sutil quanto a verdade, e era essa a verdade. Ela estava saindo de suas preces, de seus anseios e medos, a verdade lhe consumia como um cigarro em brasa, era dura e vital. A verdade sobre si e sua vontade de estar em um lugar absolutamente novo, desconhecido. Tudo ali era desconhecido. As pessoas tinham outros cheiros, outros passos, outras línguas. Andar sobre a calçada, com os pés descalços lhe causava asco e compaixão. Ela podia, assim, sentir a cidade. Sentir suas dores e sua história. Entender a crosta de poeira que lhe sufocava. Ela era a própria cidade e só agora era capaz de perceber. Sabia que suas palavras eram melhores, seus verbos eram mais intensos, sua vida era mais interessante, mas sempre havia o medo do infinito. Agora, sentia o chão tremer, ou era ela mesma quem tremia. E, embora suas verdades continuassem inabaláveis, havia receio de que tudo fosse destruído pelos tremores. Mas já havia decidido. Iria se manter forte e em equilíbrio e ela seria seu infinito. Para tanto era preciso agigantar-se e era isso o que faria. Seu próximo passo era conquistar o cheiro daquelas pessoas e daí seria igual a elas. Mas não era isso o que ela queria. Queria ser mais. Queria ser melhor, e isso a tornava diferente de todos, de tudo. Então explodiu uma pergunta em sua cabeça: em um lugar desconhecido, onde se tem medo de tudo e não se assemelha a ninguém, era melhor ser igual ou especial? Não saberia responder com precisão, mas sua decisão estava tomada e seguiria assim.

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