quinta-feira, 23 de junho de 2011

O voo

O pássaro antes do voo, caiu. Entregou-se ao chão a ponto de sumir, virar pó. Antes de voar alcançou as profundezadas da terra, no mais antigo clichê. Os ventos eram inúteis, o bater de asas era inútil, os conselhos matriarcais eram inúteis. Tudo era composto de fé e chão. O barulho do encontro entre seu corpo e o limite da queda fez acordar todos os olhos atentos de quem já esperava pelo voo. A menina de pijama com estampas de desenho em rabisco saltou da cama como atleta, pôs os pés no chão e, mesmo descalça, correu em busca da alucinação, mas tudo o que viu por cima do parapeito foi o pássaro em gemido estridor, não pela dor em si, mas pelo fracasso. A menina virou-se, correu, desceu os 31 degraus da sua casa, abriu a porta, o vento frio da noite soprou em seus cabelos, os embaraçou e fugiu. A menina caminhou lentamente em direção ao pássaro, talvez por medo de assustá-lo, talvez por já está assutada pela escuridão. Caminhou, olhou para o alto, em procura de inimigos imaginários, muito presentes na infância, olhou para o chão, apertando os olhos, na tentativa incorrigível de abrir as pupilas. Olhou por entre a grama e pedras e torceu para que o pássaro não estivesse qualquer parte do seu corpo nessas últimas. Percebeu, então, que sua torcida teve efeito. O pássaro não estava ferido. Seu grito era de perda e não de dor. Ou era de dor de ter perdido. Reuniu todo o fôlego que pudera no auge dos seus 8 anos e disse: Ícaro, levanta e voa.

Nenhum comentário: